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O que não pode ser dito ou… sobre apagamentos

Marília Panitz

Em um mundo tratado como legível, como abordar os hiatos de significação? No texto, na imagem e na letra… no indizível. Como lidar com o que não é lido? Cicatrizes indeléveis, estas marcas podem estar inscritas no fundo de nossos olhos, como filtros para se ver através, determinando toda a possibilidade de sentido. Haverá, então, informação (textual ou imagética) que seja, realmente, uma novidade para o humano?

Todo pensamento registrado é um recorte. Tudo aquilo que se pode dizer, mostrar… e esconder: esse é o sintoma, por excelência, das diferentes culturas. Assim, o ato de ver|ler é um ato de enquadrar e recortar o mundo?

Hêlo materializa essa ação como proposta poética e política. O lapso é o centro (excêntrico) da obra. O não ver determina a leitura, carregada de conteúdos flutuantes. Onde a imagem se retira, comparecemos com o que já sabemos dela? Preenchemos o vazio com nosso acervo de lembranças? Ainda somos capazes disso, quando tudo o que fazemos é perder-nos na selva figurativa em que vivemos?

Mas algo chama a atenção nos recortes: a figura retirada – como na série dos museus – produz janela; as palavras ausentes ali produzem uma renda, uma teia, um tecido. Vê-se através de uma e de outra, mas são olhares com molduras totalmente diferentes. Na primeira série, o enquadramento realça o que está do outro lado (sempre numa visão incompleta, claro). Na segunda, atenua, cria véu. São visões parciais de categorias diferentes, que criam uma bela parábola das relações entre as duas formas de comunicação, uma mais direta, sintética (e ilusória); a outra construção em torno do objeto.

Na série dos jornais, o foco parece se deslocar para a questão de um certo embate de narrativas que se anulam, na relação entre imagem e texto veiculados pela mídia (em especial, a impressa, física, aparentemente menos volátil… aparentemente). Aqui, as retiradas são parciais, o referente daquilo que foi recortado está presente (algumas vezes, repetido à exaustão, perde toda a potência informativa. E não é esse um recurso ao qual somos expostos cotidianamente?).

Nas grades produzidas pela superposição das páginas recortadas, Helô mantém os laços com sua matéria-prima (os jornais diários). Absolutamente reconhecível, o suporte de sua poética (e na sua ação política) faz-se como justaposição de intervalos, emula a abstração geométrica, onde o que se lê é a estrutura… sem título, sem uma proposta narrativa intrínseca. Boa leitura.

Texto para a exposição "O que não se Pode Dizer". Galeria Andrea Rehder. 2017. São Paulo-SP.

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